A TRAGÉDIA DO CHICABON
O pedido nem foi para mim, mas senti que precisava fazer algo a respeito e tratei de tomar uma posição e uma atitude, porque é assim com os assuntos graves: quanto mais cedo forem resolvidos, melhor.
A denúncia, das mais sérias, foi trazida por Maurício Valladares, mais conhecido como Mauval, e Nandão, cujo real nome infelizmente ignoro. Eles são os apresentadores do programa de rádio roNca roNca, que há 40 quarenta anos ronqueja por aí, primeiro na FM e depois na internet, trazendo a fina flor da música brasileira e internacional.
Tudo embalado em um bate papo que parece saído de uma mesa de bar, por isso mesmo dos mais sérios. Dá vontade de pegar uma cadeira, pedir um copo e participar da conversa. Aliás, fora o copo, é exatamente o que estou fazendo agora. Dá pra chegar um pouquinho pro lado? Valeu!
Figuras borbulhantes e telescópicas – para usar termos que a dupla empregaria – da cultura nacional, Mauval e Nandão dedicaram vários minutos de um recente programa para denunciar um sinal inequívoco do fim dos tempos: o picolé Chicabon encolheu. Para piorar, o palitinho também foi reduzido, o que inviabiliza o regozijo final dos apreciadores da iguaria, que é abocanhar de uma só vez o sorvete que resta grudado nesse singelo pedaço de pau, puxando-o com os dentes. Agora, uma lambida simples bastaria para dar cabo do doce. Um escândalo!
Eu chegaria nessa mesa afirmando que o Chicabon talvez fosse a última das instituições brasileiras sérias. A outra, a seleção de futebol, deixou de ser respeitável há algum tempo. E traria a lembrança de que o escritor Nelson Rodrigues chegou a juntar ambas em algumas de suas crônicas, como no texto exaltando o bicampeonato mundial alcançado na Copa do Mundo do Chile, em 1962: “Outrora o brasileiro era um inibido até para chupar Chicabon. Agora não”. E ainda colaborou para a imortalidade do primeiro picolé fabricado no Brasil em formulações que só ele seria capaz de fazer: “Digo mais: sem esse mínimo de sorte, o sujeito não consegue nem chupar um Chicabon, o sujeito acaba engolindo o pauzinho do Chicabon”.
Com as novas dimensões da iguaria, esse risco tornou-se real. Imagina morrer entalado com um palito de Chicabon “new generation” na garganta? É pior do que bater as botas em frente a um prato de Miojo, que meu pai um dia definiu como uma das mais humilhantes passagens possíveis. Foi-se Nelson Rodrigues. Foi-se a seleção. E, agora, foi-se também um naco do Chicabon. Mas o Miojo, esse continua por aí, impune. O horror!
Escandalizados com a tragédia pré-apocalíptica, Mauval e Nandão lançaram no ar um pedido para que Joaquim Ferreira dos Santos tratasse do assunto em sua coluna semanal na imprensa. Fiquei ansioso para ler o texto desse cronista de que tanto gosto, mas ele ainda não saiu e, como falei ali no início, há assuntos que não podem ser adiados. Sem dúvida, é o caso.
Dessa forma, após realizar uma saída de campo e confirmar a gravidade do problema, sugiro iniciarmos um movimento pela volta do Chicabon raiz. Podem contar comigo nessa causa tão nobre e urgente. Se não fizermos nada, muito em breve só nos restará chupar o dedo.
Daniel Cariello