AVENTURAS SANTÂNICAS
“Meu filho Bernardo me fala de loucas imagens dos shows do Santana no começo dos anos 1970 no site do Mauricio Valladares. As minhas estão preservadas apenas nos meus vetustos neurônios.
Lembro que foram dois shows, Theatro Municipal e Maracanãzinho. Eu não perderia nenhum show deles, ainda mais com meu irmão mais novo, eu mais tarado pelo guitarrista Carlos Alberto Santana Barragán que arrebentara em Woodstock.
A repercussão da presença do mexicano e a procura pelos ingressos me levou a perguntar à minha mãe sobre a possibilidade de irmos aos shows. Vinte e cinco cruzeiros cada (quanto seria hoje?), não dava; o dinheiro não abundava no pequeno apartamento de Vila Isabel, embora nada de importante faltasse: amor, comida, estudo, livros e música, muita música.
Neca de grana, vou invadir. E mesmo que pudesse, estava totalmente sold out.
Foi uma aventura santânica. Hoje, sei que não seria capaz de reproduzir as façanhas que passo a contar.
SANTANA INVADE O MUNICIPAL, EM 1971
Era jovem, tinha apenas 21 anos (naquele tempo, 21 anos não era como hoje, todos se estarreceram quando casei no final daquele ano), e resolvi que ia tentar. Ia dar um jeito.
Logo percebi que a turma na fila estava minimamente disposta a colaborar com as minhas necessidades culturais. Os seguranças, já naqueles tempos armários bombados, com terno e gravata, impediam qualquer tentativa de entrar pela porta da frente. O negócio era invadir.
Dei uma afastada do prédio e analisei as possibilidades. Pela Av. 13 de Maio, a rua da então sede do Bola Preta, vi que as portas laterais, eternamente fechadas, eram escaláveis. Dali, poderia tentar invadir por uma janela lateral. Escalei.
No alto da coluna, me esgueirei até a cobertura da bilheteria lateral. Dali, foi só erguer o corpo e sair no banheiro… das mulheres! Gritaria, correria… saí dali antes que alguém me pegasse. Ainda bem que Maria da Penha ainda não havia nascido.
Com a maior cara de pau, perguntei ao segurança do lado de fora como poderia chegar a galeria, quase no teto do Theatro, vertigem absoluta. Dali, vi a primeira metade do show.
Mas, ora, porra, neguinho vendo o show no palco e eu aqui? Aproveitei o intervalo para descer. Deu tudo certo. Sentei ao lado do percussionista brasileiro da banda (era mesmo brasileiro, Mauricio? quem seria?). No meio do show, todos enlouquecidos com o repertório de Abraxas, o cara jogou uma baqueta pro alto, novinha em folha. Me joguei pra pegar no ar, defesaça digna do Jefferson, o maior goleiro do Brasil.
MARACANÃZINHO, SAMANGOS NO ENCALÇO, em 1973
No Maracanãzinho, a maluquice começou com pular o muro da esquina de Av. Maracanã com Eurico Rabelo. Dá um pé aqui, impulso garantido pela preparação de jovem jogador de basquete do Club Municipal, mão no alto do muro e pula pro outro lado. Um bando de malucos veio atrás. Ninguém à vista, nenhuma saída.
Catando um jeito de acessar a área interna do ginásio, onde o couro ia comer, eis que surgem PMs, naqueles tempos sem gás de pimenta ou choque elétrico, mas no auge da ditadura, eles doidos pra dar cacetadas em qualquer infrator. E nós éramos “infratores da lei e da ordem”.
O jeito foi escalar a parede, na base ainda do bota o pé aqui, e sair na área escura e empoeirada debaixo das arquibancadas. Já era alguma coisa, pelo menos escapamos dos samangos. Só tínhamos que sair dali pra ver o show.
Procura daqui e dali, um cara dormia placidamente apesar da algazarra da garotada que invadia a rampa de acesso ao ginásio. Acordei o sujeito, dei uma merreca pra ele, que abriu uma porta pra gente sair.
Incrivelmente, a porta dava bem no alto da rampa, a turba chegando, gargalhadas gerais de ver a gente saindo ali, um pra cada lado, pimba!
Acho que inaugurei a mendicância cultural naqueles tempos.
A vida passa, o tempo voa… mais de quarenta anos depois, com o coração remendado por “stents” e safenas, meio fora de forma, nem ouso pensar naquelas maluquices. Aliás, nem me reconheço mais nelas. Mas fui eu, sim. E fico feliz que tenha sido.”
Cesar