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aguirre…

WALTER SALLES

São Paulo, sábado, 11 de maio de 2002

Os fantasmas de Fitzcarraldo e Aguirre

Iquitos, Amazônia peruana. Antigos prédios coloniais caindo aos pedaços. Cidades-satélites construídas sobre palafitas, invadindo o rio. Dezenas e dezenas de mototáxis avançando nas ruas esburacadas com um zumbido metálico. Um suor constante nos corpos e nos rostos.
Como Manaus, Iquitos viveu o seu apogeu durante o ciclo da borracha. Depois veio o período da extração da madeira e, mais recentemente, o tráfico de drogas também passou por aqui. Não mais. Há dois anos, chegaram os norte americanos do D.E.A., departamento antidrogas. O tráfico emigrou para a cordilheira ou procurou refúgio na direção de Letícia, fronteira com a Venezuela e o Brasil.
Estou aqui para escolher locações para um filme, mas outros dois não me saem da cabeça: “Aguirre, a cólera dos deuses” e “Fitzcarraldo”, ambos dirigidos por Werner Herzog. Foi ao redor de Iquitos que o diretor alemão rodou esses filmes. Foi também por aqui que ele quase morreu antes das filmagens de “Aguirre”. Teve a intuição de não entrar em um avião que ia trazê-lo de Lima a Iquitos. O avião espatifou-se. Herzog salvou-se.
Esse acontecimento não é um fato isolado na vida de Herzog. Na época em que ele fez “Aguirre” e “Fitzcarraldo”, havia uma qualidade quase messiânica, uma fé inquebrantável a movê-lo, que podem agora ser conferidas por todos aqueles que se interessam pela sua obra. “Aguirre” e “Fitzcarraldo” saíram há pouco em DVD, com uma reveladora faixa de comentários do diretor. Um documentário sobre a relação fratricida entre ele e seu ator-fetiche Klaus Kinski, intitulado “Meu Melhor Inimigo”, completa o quadro.
Kinski está extraordinário em “Aguirre”. O filme narra o caos que se instala no seio de uma das primeiras expedições espanholas que partiram à procura do mito de Eldorado no Amazonas. Malgrado todas as dificuldades de um filme de época e os obstáculos logísticos que Herzog teve de enfrentar, “Aguirre” foi filmado em poucas semanas por uma equipe de nove pessoas… e 450 figurantes. Herzog conta que tudo que poderia fazer parar a filmagem, como a enchente que carregou as balsas cenográficas, era incorporado à matéria fílmica. O resultado é uma obra orgânica, essencial. Revisto hoje, “Aguirre” permanece radicalmente moderno.
A câmera urgente está quase sempre na mão, perto dos personagens, mas há também momentos voluntariamente estetizados. Essa escolha arriscada dá surpreendentemente certo, e a síntese entre o documental e o teatral tem uma força raramente vista no cinema. Poucos filmes falam da ganância e da loucura humana de forma tão arrebatadora e convincente.
A possibilidade de rever “Fitzcarraldo” também projeta luz sobre um filme que foi muitas vezes acusado de ser tão demente, na sua feitura, quanto o personagem que enfoca. Fitzcarraldo foi um aventureiro europeu que chegou à Amazônia à procura de borracha e de riqueza fácil. Autocrático, tido por muitos como escravagista, Fitzcarraldo também alimentava o sonho de trazer a ópera até aquela última fronteira.
“Fitzcarraldo”, o filme, foi uma experiência de rodagem tão traumática quanto “Apocalypse Now”, de Francis Ford Coppola. Um outro documentário, “Burden of Dreams”, revela a insanidade do projeto, que se prolongou durante quase um ano. Como tudo que acontece por trás das câmeras acaba permeando o negativo do filme, essa loucura acaba passando para a tela.
E ficando, mas não só no cinema. Subindo o rio Amazonas, entre Iquitos e a colônia Santa Izabel, encontramos os restos do barco no qual foi filmado “Fitzcarraldo”. O casco está adernado sobre uma das margens do rio, tomado pela ferrugem. O motor foi retirado ou roubado. Subimos a bordo. As cabines, o posto de comando, tudo decomposto pelo tempo.
No meio da abordagem, o tempo subitamente começou a virar. Um vento varreu o Amazonas, nuvens surgiram do nada, e uma tempestade se abateu sobre nós. Pulamos para o barco que havia nos trazido ali e, no meio de uma chuva torrencial, voltamos a Iquitos. Olhamos para trás e vimos a velha carcaça pela última vez, até que ela foi lentamente engolfada pela cortina de água. Ainda ouvimos durante algum tempo o ranger do velho barco, que ecoava como um grito agônico de Klaus Kinski.

a leoa…

Danuza Leão ajudou a civilizar o Brasil e a consagrar as minissaias

Escritora que dizia o que pensava, foi a musa de Ipanema e conheceu os intestinos do poder morreu, aos 88, no Rio

Ruy Castro

Há tempos, conversando com Danuza Leão, eu lhe disse que ela era a única pessoa que me faria quebrar a cláusula pétrea de que não se deve biografar pessoas vivas —porque a história delas ainda não terminou.

Danuza já passara dos 80 e seguia na ativa. Todo dia saía de seu apartamento em Ipanema, atravessava a rua e ia tomar um coco no quiosque em frente. Às vezes, variava e tomava um avião —ia a Paris, cidade que fazia de varanda, para observar o mundo.

A ideia de a biografar e tentar extrair dela o que nunca contara a ninguém era irresistível. Danuza também achava. Mas, como outras ideias irresistíveis, esta ficou por ali. Não havia pressa, éramos imortais.

Haveria também o desafio de definir Danuza sem os clichês de sempre. Uma mulher sempre à frente de seu tempo. A independência em pessoa. A verdadeira musa de Ipanema. Tudo isso era verdade, mas Danuza nunca se reconheceu nesses papéis. Sempre foi de uma implacável lucidez e portadora de uma bagagem que poucas mulheres reuniram numa encarnação. Certa vez, quando ofereceram a ela um programa de TV, alguém advertiu que era “um perigo deixar a Danuza dizer o que pensa”. “Porque ela diz mesmo.”

Danuza nasceu pronta, em 1933. A certidão diz que foi em Itaguaçu, no Espírito Santo, mas aos dez anos já morava em Copacabana. Aos 14, ainda de tranças, seu melhor amigo era Di Cavalcanti. Antes de completar 15, foi debutante da revista Sombra. Trocou o colégio por aulas particulares, livros impróprios para sua idade e viagens a Paris, Roma e Punta del Este. Sua turma era Di, Rubem Braga, Vinicius de Moraes.

Aos 18, foi convidada por Assis Chateaubriand a um baile no castelo do barão de Coberville, nos arredores de Paris, para promover os tecidos brasileiros —Danuza desfilou a cavalo, vestida de Maria Bonita. Ali decidiu que seria modelo na capital francesa. Pediu emprego ao costureiro Jacques Fath e ganhou.

Seu cabelo quase louro foi cortado de todo jeito e pintado de verde, prata e cenoura. Com desfiles todos os dias, em Sevilha, Madri, Veneza, não havia tempo para almoçar ou jantar —passava a camembert engolido com beaujolais. Mesmo assim, posou para Richard Avedon e Robert Capa e namorou Daniel Gelin, galã do filme “La Ronde”, de Max Ophüls, e dependente de heroína.

Dois anos depois, Danuza decidiu voltar. Ao chegar, em 1953, achou o Brasil muito chato e começou sua longa missão civilizatória. Seu amigo Sergio Figueiredo a levou para visitar na prisão o jornalista Samuel Wainer, proprietário do jornal Última Hora e protegido de Getúlio Vargas presidente.

Quando Wainer saiu da grade, ela se casou com ele. Mas, em 1954, com o suicídio de Getúlio, Wainer se viu na baixa, com o Última Hora quebrado e 14 processos nas costas. Em 1956, com Juscelino Kubitschek no Catete, Wainer subiu de novo. Danuza se tornou a primeira-dama da imprensa e locomotiva social do Rio, indo ao Municipal com as estolas de visom que Wainer mandava vir de Paris.

Durante seus sete anos juntos, Danuza deu a ele três filhos –que seriam a artista plástica Pinky, o jornalista Samuca e o produtor de cinema Bruno, todos Wainer– e conheceu os intestinos do poder. Foi à China e esteve com Mao Tsé-tung, ia a Brasília visitar as obras e, em casa, servia canapés aos banqueiros, militares, políticos e pelegos que faziam rapapés a Samuel Wainer. Vivia tudo isso com a naturalidade com que entrava na fila do Moraes, sorveteria de Ipanema.

Em 1961, Danuza deixou tudo ao trocar Samuel Wainer por Antonio Maria, cronista, homem da noite, feio, com quase o triplo do seu peso e compositor de “Ninguém me Ama”. Danuza ficou três anos com Maria, que escrevia, amava, comia, brigava e era ciumento na proporção de seu corpanzil —não deixava que ela andasse de calcinha em casa diante da TV porque, na tela do noticiário, o locutor Luiz Jatobá a poderia ver.

Mas Maria era também cardíaco e teve um infarto. Danuza emagreceu 15 quilos cuidando dele no hospital, de levantar e abaixar sua cama, dar banho nele e comida na boca e botar na vitrola os discos que ele recebia. Dois anos depois, se separaram. Maria teve novo infarto e, dali a meses, o infarto fatal. Mas, então, já era 1964 e ela nem estava mais no Brasil. Com o golpe militar, Wainer fora para o exílio em Paris. Danuza pegou os filhos e se juntou a ele.

Em 1966, quando Wainer se reequilibrou, Danuza voltou sozinha para Ipanema. Fez uma ponta em “Terra em Transe”, de Glauber Rocha, consagrou minissaias e namorou quem quis. Quando surgiram as primeiras feministas, que viam no homem um inimigo, Danuza fez do homem um aliado e inverteu um velho privilégio masculino –havia homens para casar e homens para namorar.

E, quando se casou de novo, entre 1971 e 1975, foi com outro jornalista, Renato Machado. “Jornalistas são divertidos”, ela dizia. “Chegam tarde em casa, têm certas vantagens do poder, mas não se deslumbram, e sabem de tudo antes dos outros.”

Os anos 1960 e 1970 foram de transformações –mulheres morando sozinhas, dizendo palavrão, trabalhando fora, trocando de marido. Nada disso era novidade para Danuza, muito menos o coquetel de sexo, drogas e rock and roll. Já os anos 1980 foram diferentes. Além de oito anos dormindo tarde, como “directrice” do Régine e do Hippopotamus, ela aprendeu o significado da dor —o suicídio de seu pai, o advogado Jairo Leão, e a morte do filho Samuca, ambos em 1984, e a morte da irmã Nara Leão, em 1989. Em todas essas desgraças, Danuza apenas se recolheu. Nunca dividiu sua dor.

turismo raiz em são cristóvão…

tem tempo que recomendo o bairro de são cristóvão como uma das possibilidades mais espetaculares de diversão/comes&bebes/história/futebol… procede?

já apresentei essas delícias a diversos seres humanos que, em muitos casos, fizeram caretinhas ao convite… mas que, após o tour, ficaram encantados e agradecidos pela minha insistência… inclusive, pela experiência mística que é acompanhar um jogo no estádio do CRVG. acredite!

pois bem, no fim de semana passado, o UOL estampou uma matéria mega elogiável com trocentas dicas sobre os encantos do tradicionalíssimo bairro. claro, a tonalidade da reportagem é vascaína mas você pode sugar inúmeras informações e desfilar pelas ruas de são cri cri com seu manto santista, cobra-coral, gremista, esmeraldino, atleticano… manja?

é pra deitar e rolar AQUI

palmas entusiasmadas – e sem clubismo – para bruno braz (texto) e ricardo borges (fotos) do UOL

D+